terça-feira, 10 de maio de 2011

Entrando numa fria ... a Saga dos testes e dias perdidos.

É quinta-feira quase noitinha e você pensa  em se matar porque ninguém te ligou durante a semana oferecendo uma mísera entrevista, uma possibilidade de emprego.
Sexta-feira você acorda, são quase nove horas da manhã, toma uma chuveirada rápida.
Pensa num almoço para o marido e os filhos.
Enquanto lava as calçadas, já jogou aquela mistureba nos banheiros para amolecer a sujeira e ajudar na hora da faxina. Eis que te surge o som do aparelho celular. Uma chamada. Um número estranho. Um convite para uma entrevista naquela empresa com fachada bonita. São quase onze horas. E você precisa estar lá às duas horas. Para estar lá às duas horas você precisa pegar o ônibus  às 13 da tarde. Para pegar o ônibus às 13 horas você precisa ir tomar banho ao meio dia. Como percebe sua sexta-feira já era. Sua calçada já era. Seus banheiros já eram. O almoço de sua família já era.
Você chega na empresa dez minutos antes. E fica presa na burocracia da portaria. Pois “alguém” esqueceu de avisar o porteiro que estaria fazendo entrevistas. E até achar esse alguém pela empresa se vão quase 10 minutos. Até esse alguém resolver te atender você ficou de pé, do lado de fora da empresa. No sol. Transpirou. A escova já era. São quase quinze da tarde quando finalmente te liberam a entrar no santuário.
Uma empresa grande. Parece bem organizada. Você não sente dificuldade em achar a porta indicada. Passa pela telefonista e confirma a direção. Ela nem sequer repara em você. Esta mais preocupada com as encomendas da padaria para os departamentos administrativos (é quase hora do lanche da tarde).
Você chega a uma sala onde é abordada gentilmente por uma mulher de meia idade. Ela te indica outra sala, ao fundo. No caminho você nota que ela repara no tamanho do salto do seu sapato, na cor do seu esmalte, na sua calça, na sua camisa, no seu cabelo, nos seus adornos. E até da sua pobre bolsa. As duas se sentam. Ela pergunta se tem parente na empresa, se alguém de dentro da empresa te deu indicações sobre a vaga e tudo é anotado minuciosamente no seu currículo. Fuma? Tem filhos? Pretende ter mais? Tem carta de habilitação? Dirige? Tem carro? Moto? Disponibilidade para horas extras? Muitas perguntas corriqueiras. A mais difícil de responder hojr é aquela em que perguntam se você pretende dar continuidade aos estudos (faculdade, pós, mestrado, curso de línguas estrangeiras, ou qualquer outro), pois se disser que não, podem te achar acomodada. Se disser que sim, talvez não te contratem pois precisam de você em tempo integral. E alguém que estuda usa a “desculpa” que estuda para não fazer horas extras.
E a mulher de meia idade diz que você pode aguardar um telefonema. E se despede. Sem mais. Nem menos. São quase dezesseis horas. Você chega em casa e se depara com a casa toda bagunçada. Aquele cheiro de água sanitária vindo do banheiro. Está com fome. E frustrada. Já ´não sabe se continua a faxina ou deixa tudo pra sábado. Bem, ao menos os banheiros precisam de limpeza.

Parte II
Segunda-feira antes das nove horas ligam da empresa convocando para a segunda parte da entrevista. Quatorze horas na empresa. Você chega na portaria e se depara com mais sete pessoas. Todos candidatos à mesma vaga. Dessa vez houve atraso somente de dez minutos. Todos entram e são encaminhados à mesma sala. A responsável pelo DP entra. Apresenta-se finalmente. Dá uma breve do histórico da empresa, meta e afins. Finalmente diz a qual cargo estão concorrendo. Diz salário, carga horária, tarefas. E termina num “grand finale” – “E se isso não tiver dentro dos almejos de alguém aqui, por favor, pode se retirar”. Ninguém se retira. Mas todos percebem o descontentamento mútuo. A mala, quer dizer, a responsável pelo DP então diz que todos vão passar por testes simples. A média de idade dos candidatos gira em torno de 30 anos. Todos bem vestidos. A mulher então saca de uma bolsa vários papéis e canetas e os distribui. Quando você olha não acredita. É uma prova de português. Com direito a redação e tudo. Logo após ela passa uma folha de almaço. E diz que temos dois minutos para escrever tantas palavras que pudermos com a letra M ... (merda não vale). Na prova de português tem redação. Uma, para você descrever em 10 linhas seus defeitos e qualidades e como isso pode afetar a empresa (positivamente é claro). Outra, para você escrever o que sabe sobre a empresa (maldita internet! Por que não pensei nisso antes). Depois entrou o português em si. Grafia com x,z,s,ss, mal, mau, bom, bem, gírias, sinônimos, antônimos). E isso era quase dezesseis horas. Fim. Exaustão. E novamente nos ligariam no outro dia. Como de fato ligaram.

Parte III
E na correria lá vai você novamente estar às quatorze horas. E todas as oito pessoas com você. É terça-feira. É dia de prova de matemática. Você vê colchetes, divisões astronômicas, números primos, pares, inteiros, fracionados, conjuntos, números negativos, positivos. E você pensa – “Bombei”. E pensa mais: “Estaria eu tentando entrar para a Nasa?” E mais ainda: “Precisa de tudo isso para encarar um emprego de digitador de pedidos?”. Quarenta minutos depois um rapaz desiste e sai. Abandona a prova. Ou ele é louco ou é realista e corajoso.
E você se esforça para fazer tudo. São quatorze e vinte quando você entrega a prova.

Parte IV
É quarta-feira e você às onze horas recebe outra ligação te convocando para a terceira parte da entrevista. Você pensa “Nada mal”. E sai toda orgulhosa. E lá na portaria se depara com as seis pessoas (duas já não estão mais). Novamente você passa pela empresa e ruma direto à sala de sempre. A mulher de meia idade vem novamente com papéis e canetas que a fazem pensar que hoje seriam provas de química ou física. É um questionário sobre a inteligência emocional e outras “cositas mas”. Do tipo, se um colega seu faltar num dia super importante na empresa por motivos bobos você o dedaria? Você costuma questionar as ordens quem vêm de seus superiores? Quantas horas por dia você gasta com televisão? Quantos livros você leu no ano passado? Quais? Você tem animais de estimação? Quanto tempo você leva de carro de sua casa até a empresa? E de ônibus? Se você entrasse às oito horas na empresa a que horas você teria que acordar? Você concorda com a aquisição de uniforme de trabalho? Você tem tatuagem visível? Usa óculos? Lentes? Quantas horas costuma dormir por noite? Quanto tempo faz desde a sua última visita ao dentista? E ao médico? Como se vê são perguntas importantíssimas.
E assim é mais uma quarta-feira entediante. Só faltou o sofá e a Hebe ali.

Parte V
Na quinta-feira. Mesmo esquema. Lá está você. Nem sequer fazia noção de que roupa usar para impressionar. Pois já havia utilizado todas aquelas que te deixam com cara de profissional. Sem muita preocupação ou paciência com o cabelo. E lá foi a senhora de meia idade te “apresentar”  um computador. Isso mesmo. Em pleno ano de 2007 e ela ainda achava aquilo uma máquina misteriosa. Ela te convida a sentar e digitar um pequeno texto de sete linhas. Você teria que salvá-lo com seu próprio nome. É só isso? - Você pensa. É sim. Ela pede então que você desligue o computador. Para o próximo ligar. E ela te avalia com muita propriedade. Como se você estivesse despachando um foguete rumo à Lua.Você sai sem entender... Alguém questiona a mulher sobre os dias perdidos ali. Ela diz que aquele será o decisivo. Depois de todos terem sido testados na “maquina mortífera” são encaminhados a um outro setor da empresa. Entram todos numa sala, sentam ao redor de uma mesa redonda. A mulher de meia idade ali. Quando entra um senhor de uns cinquenta anos, com o cabelo bem penteado, perfume forte. Ele senta e pede que cada um se apresente pelo nome e idade. Ele então pega os currículos e vai fazendo uma rápida entrevista com todos ali. Bem assim. Todos frente a frente com todos. Faz perguntas que constrangem. Do tipo das que você respondeu no dia anterior. Como exemplo, se você respondeu que não costuma questionar ordens superiores, o que você faria no caso de seu chefe te pedir algo ilícito? Algo que prejudique a empresa ou outro colega? Quando ele fez isso com todos ele sai da sala. E você percebe o sorriso de satisfação no rosto da responsável pelo DP. Logo entra uma mulher. Ela se apresenta como a sua possível futura chefe. Ela segue a mesma linha do homem, mas é mais vagarosa. Ela estuda os candidatos nos mínimos detalhes. Temos ali um estudante de matemática, um processador de dados, um analista de sistemas, um ex diretor de vendas de uma empresa de colchão, uma estudante de economia, um estudante de admistração de empresas e você. A mulher diz sobre as qualidades ou habilidades que uma pessoa tem que ter para trabalhar com ela em seu setor. Fala sobre o trabalho. Fala de fins de semanas doados em favor da empresa, fala de ida ao banheiro, de conversas paralelas, de msn, orkut, atrasos, faltas, telefone celular. Todos ansiosos por aquela vaga. Já era questão de honra. Não era pelo salário nem pela vaga. Era honra mesmo. Sua moral e dignidade dependem daquela vaga.
Ela se despede e sai da sala. A responsável pelo DP com um sorriso maligno encerra por ali mesmo e diz que até a sexta-feira a tarde entra em contato.
Você sai de lá desolada. E fica reconstruindo a cena mil vezes. Você poderia ter dito mais isso. Não ter dito aquilo. Mas agora já foi.
E creio que o pior de tudo é a cobrança/torcida da família. Você gastou tempo e dinheiro (seja com gasolina, taxí ou ônibus). E depois de aguentar um interrogatório da vaga precisa aguentar um interrogatório em casa. E alguém ainda diz: - "Ah! Nem compensa isso. Um salário medíocre de 700,00? Eu fico em casa!"

E isso fica ecoando em sua mente ...

Malditas entrevistas de emprego.




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